Multinacionais em Moçambique: É hora de uma tributação justa para reduzir as desigualdades

É hora de uma tributação justa para reduzir as desigualdades

O representante da Oxfam em Moçambique, Romão Xavier, defende uma profunda revisão do modelo de tributação concedido às multinacionais no país, por considerar o sistema fiscal atual injusto e orientado apenas para beneficiar as grandes empresas, contribuindo para o agravamento das desigualdades sociais.

1. O contexto da desigualdade e concentração de riqueza

Romão Xavier alerta que a riqueza em Moçambique está concentrada nas mãos de uma minoria, aprofundando a desigualdade social e comprometendo o desenvolvimento de boa parte da população. Ele cita um estudo da Oxfam que mostra que aproximadamente 1% das pessoas mais ricas detêm quase o dobro da riqueza do restante da população. Esta concentração extrema indica que os recursos financeiros estão retidos por poucos, o que restringe o acesso a bens públicos e serviços essenciais, impactando negativamente os mais vulneráveis.

Este padrão segue uma tendência continental: segundo o relatório “Africa’s Inequality Crisis and the Rise of the Super-Rich” (julho de 2025), os quatro indivíduos mais ricos de África possuem mais riqueza do que a metade da população africana – cerca de 750 milhões de pessoas Oxfam in Africa+4Oxfam International+4Oxfam International+4. Ainda no contexto africano, os super-ricos têm visto seus patrimónios crescer aceleradamente, enquanto os mais pobres experimentam estagnação ou queda nos rendimentos oxfamamerica.org.

2. Sistema fiscal regressivo e a necessidade de progressividade

Para Romão Xavier, é urgente implementar um sistema de tributação mais progressivo: "aquele que ganha mais, deve pagar mais imposto; aquele que ganha menos, paga menos – e o pagamento de imposto devia começar de um teto mais alto". A proposta envolve aumentar a tributação sobre os lucros e rendas das classes mais abastadas, reduzindo a carga tributária sobre as faixas mais pobres da população.

A Oxfam defende que, se os mais ricos pagassem três vezes mais impostos, tais recursos poderiam ser realocados para fortalecer serviços sociais como saúde, educação e infraestrutura básica. Estudos indicam que tributos modestos sobre a riqueza — por exemplo, um imposto de 1% sobre a fortuna dos ultra-ricos e 10% sobre a sua renda — poderiam gerar cerca de US $ 66 bilhões por ano, quantia equivalente a 2,29% do PIB africano, suficiente para cobrir lacunas em serviços essenciais The EastAfrican.

3. O setor extrativo e as multinacionais: isenções que penalizam o Estado

No contexto moçambicano, o setor de recursos naturais — especialmente mineração e gás — é apontado como exemplo de injustiça fiscal. Romão Xavier denuncia que, apesar de explorarem os recursos, as multinacionais contribuem muito pouco para os cofres públicos. “Há um problema de contratos e pouco dinheiro que, efectivamente, o Estado moçambicano está a encaixar com esses empreendimentos muito grandes”, afirmou em entrevista à AIM.

Adicionalmente, as comunidades locais são também prejudicadas: vivem junto às operações mineiras, respiram poeira e sofrem impactos ambientais sem receber benefícios diretos ou compensações adequadas. Xavier sublinha que os montantes destinados às comunidades muitas vezes não são administrados pelas próprias, mas por projetos definidos pelo governo central — sem consideração às necessidades reais das localidades.

4. Impacto sobre as PME e assimetrias no sistema tributário

O economista moçambicano Egas Daniel reforça a crítica ao modelo fiscal atual. Segundo ele, o sistema penaliza as pequenas e médias empresas (PME), que enfrentam restrições de crédito, baixa competitividade, e ainda assim — são mais tributadas proporcionalmente aos seus rendimentos. Enquanto isso, as multinacionais beneficiam de isenções fiscais e regimes favorecidos, legalmente permitidos, que reduzem drasticamente a contribuição desses grandes atores para a receita do Estado.

Ele alerta: o Estado moçambicano depende das PME para financiar a máquina estatal, enquanto as multinacionais — contando com capital estrangeiro a juros baixos — pagam impostos simbólicos ou quase nada. Daniel propõe a renegociação de contratos com empresas estrangeiras sempre que viável, para garantir maior equidade e retorno fiscal ao país.

5. Causas históricas e o paradigma da atração do investimento estrangeiro

Egas Daniel argumenta que o erro está nas premissas adotadas no passado: acreditava-se que atrair capital estrangeiro a qualquer custo seria a chave para o desenvolvimento. Hoje, com essa evidência, ele conclui que esse modelo não funciona se as empresas não pagam impostos. O Estado precisa usar o potencial das multinacionais para gerar receitas suficientes que permitam investimentos sociais, especialmente se enfrenta dificuldades de liquidez para cumprir as despesas públicas.

Daniel enfatiza que é possível corrigir o desequilíbrio: as novas empresas que operem em Moçambique devem ser tributadas de forma justa, de modo que o Estado disponha de recursos para investir nos mais pobres. Ele destaca que o valor dos recursos naturais pertence à maioria da população moçambicana; se esta permanece pobre, existe uma “contradição entre riqueza (em recursos) e pobreza (em rendimento)”.

6. A proposta de ruptura com o paradigma fiscal vigente

Para Daniel, o país já começa a perceber que isenções fiscais não são a principal forma de atrair investimento — os verdadeiros recursos estão nos ativos naturais do território. Cabe ao Estado garantir que a exploração desses ativos se traduza em retorno direto para a população, transformando a exploração em fonte de desenvolvimento inclusivo.

Se Moçambique não aproveitar a oportunidade de explorar recursos naturais para gerar receitas capazes de reduzir a pobreza, alerta Daniel, o país corre o risco de perpetuar um ciclo de desigualdade crónica. Por isso, a necessidade de romper com o paradigma antigo e construir uma postura fiscal mais equitativa é urgente.

7. Benefícios esperados de um modelo tributário mais justo

Ao adotar uma tributação progressiva e renegociar contratos com multinacionais, espera-se que:

  • A receita pública aumente, permitindo investimentos mais amplos em educação, saúde, infraestrutura rural e proteção social.

  • As PME ganhem maior competitividade, graças a regimes fiscais mais equilibrados e acesso facilitado a crédito.

  • As comunidades locais passem a ser incluídas em decisões e repasses financeiros — em vez de iniciativas definidas centralmente.

  • A confiança na governança pública aumente, graças à transparência na gestão de receitas e aplicação de recursos.

  • A contradição entre riqueza natural e pobreza material seja mitigada por políticas estruturantes voltadas ao desenvolvimento inclusivo.

8. Conclusão: um apelo urgente por justiça fiscal

Tanto Romão Xavier quanto Egas Daniel convergem numa mesma visão: o atual modelo fiscal moçambicano favorece principalmente as grandes multinacionais e marginaliza os pobres, enquanto financia o Estado com renda das PME. Para reverter esse quadro, é essencial promover um sistema tributário mais progressivo, renegociar contratos que permitem isenções excessivas e direcionar os recursos explorados para benefício das comunidades locais.

O modelo atual tornou-se não apenas injusto, mas economicamente ineficiente. A Oxfam mostra que, globalmente, os benefícios tributários atuais estão concentrando riqueza e privando milhões de acesso a serviços públicos essenciais. Em Moçambique, onde a pobreza e a desigualdade persistem, reformar o sistema tributário é uma estratégia não só viável, mas imperativa.

A adoção de uma tributação justa e escalonada — com contribuições maiores de quem tem mais, sejam pessoas ou corporações — e a responsabilização direta das multinacionais pelos impactos sociais e ambientais que causam podem ser instrumentos poderosos para promover um desenvolvimento mais equitativo e sustentável. Esse é o caminho para que os recursos naturais sejam, de fato, uma fonte de prosperidade para a maioria da população moçambicana.

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