Fundação Gates vai investir 200 bilhões de USD em África para salvar vidas e impulsionar a saúde no continente

Fundação Gates vai investir 200 bilhões de USD em África para salvar vidas e impulsionar a saúde no continente

Compromisso de dois mil milhões de dólares com a saúde e o futuro das crianças em África

A Fundação Bill & Melinda Gates reforçou o seu compromisso estratégico com investimentos robustos na saúde pública e no bem-estar infantil em África, ao anunciar que irá canalizar cerca de 200 mil milhões de dólares norte‑americanos nas próximas duas décadas. O anúncio foi feito por Keith Klugman, director de Pneumonia e Preparação para Pandemias, numa entrevista à Agência de Informação de Moçambique (AIM), realizada à margem do Fórum Global de Inovação e Ação para a Imunização e Sobrevivência Infantil 2025, que decorre até esta quinta‑feira em Maputo.

1. O contexto do anúncio

O evento em Maputo congrega líderes da saúde global, decisores políticos, investigadores e parceiros internacionais, com um objectivo claro: acelerar os processos de imunização infantil e reduzir os índices de mortalidade evitável nas crianças pequenas. A meta principal é potencializar a colaboração entre as agências internacionais, os estados africanos e as organizações não governamentais para traçar uma rota de ação eficaz até 2045.

Keith Klugman sublinhou que este compromisso financeiro «faz parte de uma fortuna que Bill Gates decidiu transformar em ação concreta», referindo‑se ao legado de filantropia transformador que a fundação tem mantido nos últimos vinte anos. São recursos que visam reduzir desigualdades extremas, especialmente em áreas de saúde maternal e infantil.

2. Estratégia de investimento: saúde primária e bem‑estar infantil

A maior parte dos 200 mil milhões de dólares será dedicada à saúde primária e ao bem‑estar infantil em países africanos considerados prioritários, entre os quais Moçambique. Este foco está alinhado com as necessidades mais críticas de sistemas de saúde frágeis, onde o fortalecimento da atenção primária representa a base para uma agenda mais ampla de desenvolvimento sustentável.

De acordo com Klugman, a fundação planeia investir entre 9 e 10 mil milhões de dólares por ano, com o objetivo de eliminar mortes evitáveis durante a infância e erradicar doenças infecciosas como poliomielite, malária e tuberculose até 2045. O plano insere‑se numa narrativa de longo prazo, com metas ambiciosas mas claramente definidas: vacinas, sistemas de vigilância epidemiológica, acesso ampliado a intervenções preventivas e reforço da capacidade institucional dos países africanos.

3. A dimensão do desafio: mortalidade infantil evitável

São números impressionantes. Klugman destacou que, actualmente, cerca de 4,8 milhões de crianças morrem antes dos cinco anos, sobretudo por doenças que poderiam ter sido evitadas. Metade dessas mortes acontecem na primeira infância, muitas vezes sem sequer acesso a vacinas básicas ou cuidados médicos essenciais. O plano da Fundação Gates inclui objetivos de redução para metade esse número ao longo das próximas décadas, através de:

  • Vacinação sistemática contra agentes patogénicos críticos;

  • Fortalecimento dos sistemas de saúde locais;

  • Expansão do acesso a intervenções preventivas, como nutrição adequada, cuidados neonatais e educação comunitária.

4. Investimentos específicos: vacinas GBS e RSV

Uma das vertentes mais inovadoras incluídas nos investimentos da fundação refere-se ao combate a causas específicas de mortalidade neonatal. Foi revelado que a fundação já destinou mais de 128 milhões de dólares para desenvolver e distribuir vacinas contra:

  • Streptococcus do grupo B (GBS), que causa infeções neonatais graves;

  • Vírus Sincicial Respiratório (RSV), que provoca pneumonia infantil nos primeiros meses de vida.

Klugman adiantou que está prestes a iniciar‑se mais outro estudo clínico para a vacina contra GBS, com a expectativa de que, nos próximos cinco a vinte anos, possa eliminar até praticamente zero as infeções neonatais graves relacionadas com este agente infeccioso. A combinação do desenvolvimento científico com o apoio às infra‑estruturas locais representa uma estratégia integrada: inovação tecnológica aliada à aplicação em campo real.

5. Parcerias com governos e sustentabilidade local

A Fundação Gates realça que a maior parte dos fundos será aplicada em África, em estreita colaboração com governos que priorizem a saúde pública e o bem-estar da sua população, sobretudo em países de rendimento médio‑baixo ou baixo, com Moçambique a figurar entre os prioritários. A estratégia inclui:

  1. Apoio direto aos programas nacionais de vacinação;

  2. Investimentos em infra‑estrutura de saúde, formação de profissionais e logística para distribuição de vacinas;

  3. Programas de educação comunitária e mobilização social para aumentar a cobertura vacinal e a procura pelos serviços de saúde.

Adicionalmente, a fundação renovou o seu compromisso com a Gavi – Aliança de Vacinas, com um aporte de 1,6 mil milhões de dólares até 2030, reforçando a sua atuação em saúde infantil apesar do contexto de cortes na ajuda internacional global. Este envolvimento reforça a cadeia de financiamento global para vacinação e saúde neonatal.

Por outro lado, a expectativa é que os governos nacionais assumam gradualmente a responsabilidade de financiar os seus próprios programas de imunização, com apoio da fundação até que se torne um modelo financeiramente sustentável localmente.

6. Moçambique: país prioritário e desafios estruturais

Para Magdalena Roberts, directora‑adjunta na área de Poliomielite e Vacinas da Fundação Gates, Moçambique está entre os países prioritários no quadro desta iniciativa. O motivo é claro: reconhece-se que Moçambique enfrenta desafios estruturais profundos no setor da saúde, nomeadamente:

  • Cobertura vacinal frequentemente irregular ou incompleta;

  • Infra‑estruturas de saúde subfinanciadas ou mal distribuídas;

  • Déficits de profissionais de saúde capacitados nas zonas rurais;

  • Logística precária para transporte de vacinas, especialmente nas épocas das chuvas.

Roberts destacou que a fundação está empenhada em apoios que contribuam para o reforço do sistema nacional de vacinação, com especial foco na imunização infantil e na erradicação da poliomielite, doença que ainda representa risco em algumas regiões. Trata‑se de alinhar esforços de curto, médio e longo prazo para promover impacto sustentável.

7. Impacto esperado e visão de futuro

A magnitude dos investimentos e a estratégia delineada indicam um compromisso de largo espectro: redução da pobreza relacionada com saúde, diminuição da mortalidade infantil e eliminação de doenças evitáveis que impedem o desenvolvimento das comunidades. A visão da Fundação Gates é transformadora:

  • Até 2045, almeja‑se alcançar a poliomielite zero em África;

  • A malária deve ser drasticamente reduzida, com esforços combinados de vacinação, tratamento e controlo vetorial;

  • A tuberculose infantil deve ser contida com diagnóstico precoce e tratamento efetivo;

  • A mortalidade neonatal por infeções como GBS e RSV tem potencial de ser quase eliminada com as vacinas em desenvolvimento.

Além dos indicadores de saúde imediatos, os investimentos também se traduzirão em impactos sociais e económicos duradouros: famílias menos vulneráveis, comunidades mais saudáveis, maior produtividade e redução das despesas médicas a longo prazo.

8. Desafios e fatores críticos de sucesso

Apesar da ambição e dos recursos previstos, alguns obstáculos exigirão atenção constante:

  • Capacitação local e retenção de profissionais de saúde, especialmente em áreas rurais ou de difícil acesso;

  • Infra‑estrutura de frio para transporte e armazenagem de vacinas nas regiões remotas;

  • Financiamento público sustentável, à medida que os donativos vão diminuindo;

  • Monitorização rigorosa e mecanismos de avaliação de impacto, que garantam transparência e eficácia na utilização dos fundos;

  • Engajamento comunitário, essencial para vencer hesitações vacinais e garantir a adesão aos programas.

9. Considerações finais

O anúncio da Fundação Gates representa uma perspetiva de esperança real para milhões de crianças africanas. Com um plano que combina inovação científica, parcerias governamentais e reforço dos sistemas de saúde, o compromisso de 200 mil milhões de dólares ao longo de 20 anos, investindo 9 a 10 mil milhões por ano, posiciona‑se como um marco na luta contra a mortalidade infantil evitável.

Ao focar-se em intervenções com impacto comprovado — vacinas, cuidados neonatais, saúde primária e reforço institucional — e ao envolver países como Moçambique como parceiros centrais, a fundação está a desenhar um percurso capaz de transformar vidas e comunidades.

Em última instância, trata‑se de converter uma luz verde global num caminho concreto de progresso, com impacto direto na redução das desigualdades, no fortalecimento dos sistemas de saúde africanos e no cumprimento de metas ambiciosas até 2045.

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