CC lava as mãos sobre a criação da ANAMALALA

 

CC lava as mãos sobre a criação da ANAMALALA

CC abstêm-se de se pronunciar sobre criação do ANAMALALA

O Conselho Constitucional (CC) de Moçambique, órgão supremo responsável por matérias jurídico‑constitucionais e contencioso eleitoral, decidiu abster‑se de emitir pronunciamento sobre o recurso interposto pelos fundadores do partido Aliança Nacional para um Moçambique Livre e Autónomo (ANAMALALA). A decisão justifica‑se para evitar sobreposição de competências entre órgãos do Estado.

Segundo um acórdão do CC, tornado público pela Agência de Informação de Moçambique (AIM) na presente data, aquele órgão judicial não possui atribuição para interferir no processo em curso no Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (MJACR). O processo ainda se encontra dentro dos prazos legais estipulados para análise do pedido de constituição do novo partido político.

Procedimento em curso no MJACR

O acórdão salienta que o pedido de constituição do ANAMALALA foi submetido ao MJACR em 3 de abril de 2025, pelo mandatário judicial Mutola Escova, atuando em nome dos fundadores do partido: Venâncio Mondlane, Dinis Tivane e Manuela de Assunção. Esta formalização ocorreu de acordo com os requisitos previstos na lei moçambicana para a criação de partidos políticos.

Posteriormente, em 28 de maio de 2025, o MJACR notificou o mandatário judicial, concedendo-lhe 30 dias para corrigir irregularidades apontadas no processo de constituição—o que era permitido em função das deficiências detectadas. Escova, dentro desse prazo, submeteu atempadamente os documentos e elementos exigidos para sanar o que faltava, o que demonstra cumprimento rigoroso dos prazos por parte dos responsáveis pelo novo partido.

Prazos legais e indeferimento tácito

Contudo, após a submissão dos elementos adicionais, o texto legal que rege a criação de partidos políticos em Moçambique não estabelece um novo prazo específico para o MJACR emitir decisão final. Na ausência desta indicação, aplica‑se, por analogia, a lei geral da formação da vontade da administração pública, que prevê um prazo de 25 dias úteis para que a administração se pronuncie.

Com base nisso, o Conselho Constitucional entendeu que, como o silêncio do MJACR não se traduziu numa decisão expressa, poderia configurar‑se um indeferimento tácito do pedido de constituição do ANAMALALA — uma conclusão que desampara os recorrentes, dado que não foram apresentados fundamentos ou motivos formais para a recusa.

Orientações do Conselho Constitucional

Em função dessa situação, o Conselho Constitucional recomenda fortemente que o mandatário judicial, Mutola Escova, tome as medidas necessárias para garantir os direitos dos fundadores do partido. As instruções incluem:

  1. Determinar ao MJACR que acolha os elementos apresentados.

  2. Definir o deferimento do pedido de constituição do partido.

  3. Publicar no Boletim da República os estatutos do partido, bem como os nomes dos seus titulares.

  4. Determinar ainda que o ministério aprove o aditamento aos estatutos, valide o emblema e símbolo do partido e emita a certidão de registo correspondente.

Tais recomendações procuram assegurar que o partido tenha condições jurídicas plenas para operar, dentro da transparência e legalidade prescritivas pelo ordenamento jurídico constitucional moçambicano.

Declaração do Ministro da Justiça

No acórdão, o CC menciona que o Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Mateus Saíze, informou o mandatário judicial que o processo está em tratamento e “bastante avançado” para uma decisão final. Esta comunicação, apesar de ser positiva, não substitui uma decisão formal e motivada. O órgão constitucional sublinha que, enquanto o processo não se formalizar por meio de decisão expressa, perduram insegurança jurídica e incerteza quanto à conclusão e registro do ANAMALALA.

Unanimidade entre os conselheiros

O acórdão foi assinado por todos os sete juízes conselheiros do Conseil Constitutional, incluindo a sua presidente, o que denota consenso e unanimidade quanto à interpretação dos prazos e competências. Essa unanimidade reforça a solidez da decisão, realçando que não se trata de posição isolada, mas de entendimento comum entre os magistrados constitucionais.

Análise: o impacto político-jurídico

A decisão do Conselho Constitucional denota respeito pelos limites de competência entre poderes, evitando eventual intervenção descabida em matérias que são da alçada administrativa do MJACR. O CC optou por não sobrepor-se ao ministério, ao mesmo tempo em que oferece orientações claras sobre os passos a adotar para não sobrepor-se também ao direito dos fundadores do partido.

A questão do indeferimento tácito por silêncio administrativo assume especial relevância: no sistema legal moçambicano, os prazos para atuação dos órgãos públicos devem ser respeitados, e o silêncio administrativo injustificado pode gerar consequências legais, afetando direitos fundamentais como a liberdade de associação e constituição de partidos políticos.

Ao ordenar que o MJACR através do mandatário regularize formalmente o processo, o CC atua como guardião da legalidade, garantindo que o direito à constituição de um partido não seja cerceado por omissões ou demoras burocráticas.

Contexto e importância institucional

Em contexto democrático, o surgimento de novas forças políticas é um indicador de pluralismo e vitalidade do sistema político. O ANAMALALA, ao reivindicar seu direito de constituir-se como partido, faz uso de um mecanismo previsto constitucionalmente. O CC, ao abordar a questão, reforça que este direito não deve ser inviabilizado por vácuos ou ausência de decisão administrativa.

A norma que disciplina a formação de partidos políticos deve funcionar de modo a equilibrar controle formal, exigência de requisitos mínimos e eficiência procedimental. A falta de prazo expresso para que o MJACR decida após a correção de irregularidades cria um lapso normativo que deve ser preenchido por analogia — e essa analogia aplicada pela CC às regras de formação de vontade administrativa destaca uma solução jurídica prática e consistente.

Conclusão

O acórdão do Conselho Constitucional reafirma os valores da legalidade, da segurança jurídica e do equilíbrio institucional em Moçambique. Ao se abster de interferir diretamente no mérito do processo de criação do ANAMALALA, o CC preserva a esfera de competência do MJACR. Ao mesmo tempo, ao recomendar medidas corretivas e procedimentos a cumprir, garante que os direitos dos fundadores do partido não sejam sacrificados por omissão ou silêncio.

Essa decisão fortalece o sistema jurídico, assegurando que ninguém fique à mercê de indefinições e que todos os agentes públicos cumpram prazos e obrigações previsto em lei, de forma a preservar o direito de constituir-se como partido político e o pluralismo democrático em Moçambique.

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