Desafios Económicos e Institucionais em Moçambique: Vozes dos Empresários da Beira e Resposta Presidencial
Durante a sua visita de trabalho à província central de Sofala, o Presidente da República de Moçambique, Daniel Chapo, foi confrontado com queixas diretas e preocupações por parte dos empresários da cidade da Beira. Num encontro que teve lugar na passada segunda-feira (14), os empresários expressaram de forma clara e firme as suas inquietações relacionadas com dois temas centrais que afetam o ambiente de negócios no país: a corrupção generalizada nos serviços públicos e a escassez de divisas.
Num cenário em que o sector privado se debate para garantir sustentabilidade, inovação e crescimento económico, as vozes empresariais da Beira refletem um descontentamento que é sentido em várias províncias do país. Esta interação direta com o Chefe de Estado representou, para muitos, uma rara oportunidade de expor os entraves que limitam a produtividade, os investimentos e a expansão das atividades comerciais.
Corrupção nos Serviços Públicos: Um Obstáculo Persistente
A corrupção nos serviços públicos moçambicanos é, segundo os empresários, um dos principais fatores que compromete a competitividade económica e a confiança nas instituições. Daniel Chapo reconheceu a gravidade da situação, classificando a corrupção como “um mal” que mina os alicerces do desenvolvimento.
Apesar da existência de instituições encarregadas de combater práticas ilícitas, como a Procuradoria-Geral da República, o Gabinete Central de Combate à Corrupção e outros órgãos de fiscalização, os empresários apelaram à criação de mais espaços seguros e acessíveis para denúncias. O Presidente acolheu positivamente a proposta, frisando que “o combate tem que ser de todos nós, tanto os corruptores como os corruptos devem ser responsabilizados”.
Daniel Chapo destacou ainda que está em curso a criação de uma autoridade única de fiscalização, uma medida que visa reduzir a sobreposição de funções entre diferentes entidades fiscalizadoras que, muitas vezes, tornam o processo burocrático e suscetível a corrupção. “Há muitas inspeções. É como na estrada onde encontramos o INATER, a Polícia de Trânsito, a Polícia de Proteção e a Polícia Municipal. Por que não reunir todos num único ponto de fiscalização?” – questionou, propondo maior integração e racionalização dos serviços.
Digitalização e Desburocratização como Soluções
Um dos caminhos apontados pelo executivo para reduzir os níveis de corrupção é a digitalização e simplificação dos processos administrativos. Com a adoção de plataformas digitais e automatizadas, acredita-se que será possível limitar a interação humana direta, diminuindo assim o espaço para pedidos ilícitos, subornos e favorecimentos indevidos.
De igual forma, Chapo reforçou o papel do recém-criado Gabinete de Reformas e Projetos Estratégicos, que tem como missão principal acelerar reformas administrativas e eliminar obstáculos burocráticos que criam condições para práticas corruptas. O gabinete pretende atuar com maior eficiência na implementação de projetos prioritários, sobretudo ligados à economia e desenvolvimento local.
Escassez de Divisas: Uma Preocupação com Dupla Perspetiva
Outro tema levantado durante o encontro foi a escassez de divisas, uma situação que tem dificultado as importações, o pagamento de fornecedores estrangeiros e a sustentabilidade de muitos negócios locais. Chapo reconheceu o problema, mas salientou que, em certos contextos, esta limitação pode ser vista como uma oportunidade para estimular a produção nacional e desenvolver cadeias de valor locais.
Contudo, a escassez de divisas nos bancos comerciais tem criado incertezas para investidores, especialmente em setores como o da indústria transformadora, o comércio e a agricultura. Para enfrentar este desafio, o governo propõe uma política cambial mais transparente e alinhada ao desenvolvimento económico. O Banco de Moçambique, segundo Chapo, está a ser instado a criar mecanismos que promovam o equilíbrio entre estabilidade macroeconómica e incentivo à produção nacional.
Domínio Estrangeiro no Sector Bancário: Um Tema Sensível
Daniel Chapo apontou também a estrutura do sistema bancário moçambicano como um fator preocupante, dado que a maior parte dos bancos comerciais em operação são dominados por capitais estrangeiros. Este cenário, afirmou, limita o controlo nacional sobre políticas financeiras estratégicas e impede a reinversão de lucros no território nacional.
Comparando com outros países africanos como Angola, Quénia e Nigéria, o Presidente destacou que essas nações já conseguiram desenvolver bancos comerciais de capitais inteiramente nacionais. Referiu, com pesar, a experiência do Moza Banco – um projeto que visava criar o primeiro banco de capitais moçambicanos – que acabou por enfrentar dificuldades estruturais e ainda corre o risco de regressar a mãos estrangeiras.
Nesse contexto, o Chefe de Estado revelou que já está em fase avançada a criação de um Banco de Desenvolvimento, que deverá funcionar como instrumento de apoio ao investimento, com foco especial no financiamento a pequenas e médias empresas. Este banco visa colmatar a lacuna deixada pelo setor bancário tradicional, sobretudo nas zonas rurais e distritais.
Desenvolvimento Local e Infraestruturas: Foco na Sustentabilidade Económica
Durante o seu discurso, o Presidente também abordou a questão das infraestruturas rodoviárias, reconhecendo que são fundamentais para o escoamento de produtos e para a ligação entre zonas de produção e mercados consumidores. “As estradas são como veias no nosso corpo por onde circula o sangue. As pessoas podem produzir, mas têm de ter como levar os seus produtos até ao mercado”, afirmou.
Chapo anunciou que o governo já iniciou a reabilitação do troço que liga o rio Save a Casa Nova, passando por Muxungue-Inchope, com planos para estender a intervenção até ao rio Zambeze. Este projeto insere-se na estratégia de melhoria da Estrada Nacional Número 1 (EN1), que tem sido alvo de críticas frequentes pela sua má condição.
Para além das estradas, o governo está a operacionalizar o Fundo de Desenvolvimento Local, que tem como objetivo fornecer financiamento acessível a pequenos empreendedores, particularmente em distritos, postos administrativos e localidades mais remotas. Esta iniciativa pretende dinamizar as economias locais, combater o desemprego e promover a inclusão financeira.
Reforma no IVA e Incentivos ao Investimento
Um dos tópicos mencionados pelos empresários relaciona-se com a complexidade e impacto do regime de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). A liquidação do IVA, segundo muitos, representa uma carga excessiva, especialmente para pequenas empresas. O Presidente assegurou que esta questão está a ser revista e que haverá um esforço por parte do executivo para simplificar os procedimentos fiscais.
Chapo reiterou que a meta é criar um ambiente fiscal justo, previsível e que promova a formalização da economia, ao mesmo tempo que assegura receitas para o Estado.
Conclusão:
Caminho para uma Moçambique Mais Transparente e Sustentável
As preocupações levantadas pelos empresários da Beira são reflexo de desafios estruturais que há muito tempo afetam o ambiente económico moçambicano. No entanto, a resposta do Presidente Daniel Chapo revela uma abertura para escutar e implementar soluções práticas, baseadas em reformas profundas e estratégias de desenvolvimento integradas.
A luta contra a corrupção, a necessidade de maior autonomia financeira nacional, o reforço das infraestruturas e a criação de mecanismos de financiamento local são pilares essenciais para uma Moçambique mais inclusiva, resiliente e preparada para enfrentar os desafios do século XXI.
Num país onde o sector privado representa um motor essencial para o crescimento económico, garantir que os empresários tenham condições justas para investir, inovar e empregar, é um compromisso que deve unir o governo, a sociedade civil e os próprios cidadãos.
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