1. Introdução
A proposta de lei que institui as Medidas de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo regressa, pela terceira vez, à Assembleia da República (AR) de Moçambique. Esta iniciativa legislativa, recentemente aprovada em Conselho de Ministros, representa um importante passo no fortalecimento da integridade financeira nacional e no cumprimento das normas internacionais, em especial a recomendação 2 emitida pelo Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI).
2. Enquadramento político e institucional
2.1 Aprovação e revisões anteriores
A lei original foi promulgada pela AR em 2022, marcando um avanço significativo na estrutura jurídica do país em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Desde então, o Governo procedeu a duas revisões pontuais: a primeira em agosto de 2023 e a segunda em março de 2024, ambas com o objectivo de aperfeiçoar e adaptar o texto legal à evolução das exigências internacionais e às realidades nacionais.
2.2 Sessão de aprovação no Conselho de Ministros
Na sua 26.ª sessão ordinária, realizada hoje em Maputo, o Conselho de Ministros aprovou uma nova proposta de revisão da lei, que será remetida à AR. Durante o briefing à imprensa, o porta‑voz do Conselho, Inocêncio Impissa — que acumula também as funções de ministro da Administração Estatal e Função Pública — destacou que esta revisão tem como foco principal o cumprimento da recomendação 2 do GAFI, que exige estruturas eficazes de prevenção e sanção contra o branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.
2.3 Objectivos da nova revisão
Segundo Impissa, o aperfeiçoamento legal visa assegurar mais eficácia, celeridade e articulação institucional na prevenção e combate a estas formas ilícitas de financiamento. A mudança pretende reduzir lacunas existentes, agilizar fluxos de comunicação entre instituições competentes e reforçar mecanismos de supervisão e aplicação da lei.
3. Importância e impacto da lei
3.1 Cumprimento das normas internacionais
A revisão da lei representa uma resposta direta às exigências constantes do GAFI e da comunidade internacional. Desde a avaliação mútua realizada em junho de 2021, conduzida pelo ESAAMLG (Grupo de Combate ao Branqueamento de Capitais da África Oriental e Austral), Moçambique enfrenta desafios significativos relacionados à conformidade com os padrões internacionais. A avaliação apontou deficiências estruturais e institucionais, o que culminou na inclusão do país na Lista Cinzenta do GAFI, limitando o acesso a financiamento internacional e prejudicando sua reputação global.
3.2 Garantia de integridade institucional
A aplicação rigorosa da lei reforça a credibilidade das instituições financeiras e econômicas nacionais. Ao prevenir que o sistema financeiro seja usado como veículo para atividades ilícitas, a nova norma protege sectores sensíveis como o mercado imobiliário, o setor empresarial e o financeiro. A transparência e legalidade nas transacções passam a ter maior respaldo, reduzindo os riscos de infiltração de recursos ilícitos e distorções de mercado.
3.3 Benefícios econômicos e sociais
Com mecanismos mais eficientes, o país estará melhor posicionado para recuperar da Lista Cinzenta e restabelecer relações de confiança com investidores estrangeiros e organismos multilaterais. Isso pode abrir portas a novas linhas de crédito, programas de cooperação e investimentos diretos no país. Além disso, a implementação de uma estrutura regulatória robusta reforça o Estado de direito e contribui para o bem-estar da população em longo prazo.
4. Contexto da Lista Cinzenta e avaliação pelo ESAAMLG
4.1 Relatório de Avaliação Mútua de 2021
Em junho de 2021, o ESAAMLG publicou um relatório de Avaliação Mútua sobre Moçambique, revelando fragilidades nas áreas legal, regulatória e institucional relacionadas ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. O documento identificou deficiências significativas na eficácia dos mecanismos existentes, colocando o país na Lista Cinzenta do GAFI— uma condição que restringe o acesso a instrumentos de financiamento internacional e afeta negativamente a confiança externa.
4.2 Avanços e indicadores
Desde então, o governo moçambicano tem envidado esforços concretos para sanar deficiências. Dos cerca de 40 indicadores avaliados pelo GAFI no relatório, quase todos registaram avanços significativos. Apenas um indicador continuava pendente, o que praticamente fechou o gap necessário para a retirada do país da Lista Cinzenta. A nova revisão da lei representa essa última ação estratégica para completar o processo e alcançar a conformidade plena.
4.3 Agenda diplomática estratégica
Com o intuito de fortalecer a posição de Moçambique no cenário internacional, o país irá acolher uma reunião do Comité de Alto Nível do GAFI, agendada para 11 e 12 de setembro próximos. Este evento será crucial para demonstrar o comprometimento nacional com as recomendações internacionais e oferecer transparência ao processo de avaliação.
5. Principais mudanças previstas no novo texto legal
5.1 Reflexão da recomendação 2 do GAFI
A recomendação 2 do GAFI exige que os países implementem estruturas legais e operacionais eficazes para responsabilizar indivíduos e instituições envolvidas em branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. A nova proposta inclui mecanismos de:
-
cooperação institucional entre entidades públicas e privadas;
-
compartilhamento de informação em tempo real;
-
sanções mais rigorosas e aplicação mais célere.
5.2 Articulação interinstitucional
Para garantir a eficácia, o texto fortalece a articulação entre órgãos como:
-
Banco de Moçambique,
-
Autoridade de Supervisão de Instituições Financeiras,
-
Ministério Público,
-
Polícia da República de Moçambique,
-
Unidade de Inteligência Financeira (UIF),
bem como entidades do setor privado, como bancos, empresas de câmbio e imobiliárias.
5.3 Procedimentos de investigação e acção sancionatória
A proposta introduz procedimentos mais ágeis para identificação, investigação e congelamento de ativos suspeitos, com prazos mais curtos e maior claridade na coordenação entre os agentes públicos.
Também define critérios objetivos para aplicação de multas administrativas e penas criminais, de modo a desincentivar a operação de canais financeiros ilícitos.
6. Relevância para diversos setores económicos
6.1 Mercado financeiro
Os bancos e instituições financeiras ganham normas claras sobre due diligence, diligência devida, relatórios de transações suspeitas e exigências de compliance. Isso reforça a confiança do público e dos investidores institucionais.
6.2 Setor imobiliário
O mercado imobiliário, muitas vezes vulnerável à lavagem de dinheiro, passará a ter maior supervisão e obrigações de reporte, especialmente em transações de elevado valor.
6.3 Atividade empresarial e outras áreas
Empresas comerciais, firmas de advocacia, contabilidade, instituições de pagamento e comércio exterior serão sujeitas a mecanismos de monitorização e reporte, contribuindo para a transparência em todos os elos da cadeia econômica.
7. Benefícios e resultados esperados
7.1 Cumprimento total das recomendações do GAFI
Com a aprovação desta terceira revisão, Moçambique estará mais próximo da retirada definitiva da Lista Cinzenta, abrindo caminho para ampliar o acesso a financiamento externo e parcerias estratégicas.
7.2 Fortalecimento da imagem internacional
Uma legislação robusta e bem aplicada reforça a percepção de Moçambique como um país comprometido com a escalação de riscos financeiros e a integridade preventiva, atraindo investidores internacionais e mantendo sólidos canais de cooperação.
7.3 Crescimento econômico sustentável
Ao proteger os mercados de distorções provocadas por recursos ilícitos, a lei contribui para um ambiente empresarial mais estável, competitividade justa e desenvolvimento sustentável, beneficiando a economia em geral e a sociedade civil.
8. Outras decisões relevantes da 26.ª sessão do Conselho de Ministros
8.1 Empreendimento turístico na Ilha Santa Carolina
Além das medidas legislativas, o Executivo decidiu conceder ao Instituto Nacional de Turismo (INATUR) o direito de desenvolver e negociar um empreendimento turístico na Ilha Santa Carolina, no Parque Nacional do Arquipélago de Bazaruto (distrito de Vilankulo, província de Inhambane). Este projeto visa explorar o potencial econômico e natural da ilha, promovendo investimentos no setor de turismo ecológico.
8.2 Novo estatuto do IACM
Foi também aprovado o estatuto orgânico do Instituto de Aviação Civil de Moçambique (IACM), que redefine suas normas de funcionamento, atribuições, autonomia orçamental e regime organizacional. Esta nova estrutura visa modernizar e tornar mais eficiente a regulação do setor da aviação civil no país.
9. Conclusão
A nova proposta de lei sobre prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo representa um momento decisivo para Moçambique no reforço da sua institucionalidade financeira, no cumprimento das exigências internacionais e na recuperação da confiança global. Com essa terceira revisão, o país dá um passo decisivo para alcançar uma estrutura legal sólida, mais eficaz e alinhada com os padrões do GAFI, reduzindo vulnerabilidades e promovendo o desenvolvimento sustentável dos seus setores econômico e empresarial.
Aliado a isso, a agenda governamental recente – incluindo o empreendimento turístico em Santa Carolina e o estatuto do IACM – demonstra uma ambição clara de modernização e aproveitamento das potencialidades do turismo e da aviação civil.
Com isso, Moçambique aproxima-se da retirada da Lista Cinzenta do GAFI, fortalece sua reputação internacional e amplia sua capacidade de atrair investimentos responsáveis e sustentáveis.
0 Comentários